quarta-feira, 3 de abril de 2013

Renata


Recife, 1982

Não faz muito tempo, a dona dessa história ainda é moça - e tem muito espírito.
Foi numa noite de sexta-feira, ninguém imaginava que Maria ia parir naquele dia. Tinha acabado de completar oito meses de gravidez, e aquela noite não tinha diagnóstico, nem sinal. Apenas aconteceu, nasceu.
Nasceu de surpresa. Era uma menina linda, pesava muito bem e aparentava muito bem. Não sabia que nome dar, então os pais deixaram para dar nome na outra semana, mas a outra semana estava muito perto. Melhor deixar pro outro mês... no fim do ano a gente registra, e não tem problema!
E assim foi-se indo... a menina foi ter nome com três anos. Antes só era Menina – Menina da Silva. Chamaram-na de Maria. Mas Maria era o nome da mãe, e ela não queria se chamar assim. Quero um nome que seja meu, mamãe. Havia três Marias na família, e se botassem mais uma seria muita santa pra pouco sobrenome.
Tu vai te chamar Cristina!
Não, mamãe. Cristina é o nome da mulher do padeiro. Ele trai ela. Com a Rosa.
Onde você ouviu isso, menina? Isso é coisa pra criança dizer? Bate na boca!
Era muito esperta. Mas também inocente e sem maldade, apenas repetia o que ouvia dos adultos, sem querer se corromper. Chamou-se Isabela.
Mas depois descobriram que Isabela era o nome de uma ladra do bairro, e quem queria ter esse nome? Isabela Ladrazinha, foi apelidada ligeiro.
Com quatro anos quis mudar de nome, a mãe também aceitou. Era insuportável. Passou mais um ano com o nome de Cecília. Mas passou uma novela em que Cecília matou o marido. Nos salões, Isabela soube disso. E trocou de nome no outro mês.
Essa foi a última vez. A mãe percebeu que todo mundo tinha nome de ladrões, assassinos, vagabundos e tudo mais. A filha escolheu o nome, e dessa vez foi Renata. Gostou muito, e foi quando ela percebeu que esse era o nome da sua vida. Renata foi registrada e com o tempo se tornou uma linda moça. Com quinze anos todos os garotos da rua queriam ser seus amigos... amigos, não tem?
Mas ela era muito doce pra aquele pessoal. Não gostava de nenhum deles. Mostre esse dedo pra ele, quando te chamarem, dizia a tia. Ela ria e sacudia a cabeça. Ainda era esperta, mas nunca foi grosseira. Gostava de brincar com uns moleques do outro bairro, e a noite tocava e cantava com os mais velhos nas portas. Mas Renata também tinha um defeito: todos seus amigos se apaixonavam por ela, e ela não queria saber de nenhum. Dava chances, mas depois desculpas bem justificadas. Nenhum era demais.
Pensava que ia morrer sozinha, criando um cachorro que era seu filho.

***

Foi com dezessete. Estava sentada na praça, lendo um livro que o pai trouxera de Salvador quando conheceu Bruno.
Bruno era um motorista de táxi recém-chegado do Maranhão. Rapaz simpático e gentil. Soube que ela seria a mulher com quem passaria o resto da vida. Foram dois meses seguidos de rosas diárias, e vários sábados de sorvetes e muitos textos de amor e sabedoria, além de canções e pinturas. Eram orgulhos recíprocos – Renata pintava e cantava, Bruno inteirava a arte: escrevia textos acompanhados de rosas, bombons também.
Trabalharam, casaram e estudaram. Ele tornou-se economista e escritor, ela uma professora de biologia, e porque não pintora? Vendia bem seus quadros.
Ele não era ninguém demais, ela muito menos. E adoravam a simplicidade da vida. As coisas apareciam com o amor, e esse amor nunca envelhecia. Ganhava mais dias de vida cada vez que era tocado pelo sol. Abra as cortinas!
Viveram anos de amor e se entregaram a cada dia e para cada dia.
Tiveram quatro filhas: Maria, Cristina, Isabela e Cecília. Bruno nunca entendera o porquê da preferência dos nomes, mas gostava deles. Também tiveram um cachorro, que Renata dizia ser seu filho. 
O mundo sempre nascia de novo.




x

5 comentários:

  1. Adorei o conto! Muito bom mesmo... Por favor, não pare de escrever. Acredite ou não, isso me motivou a recomeçar... Abraço.

    ResponderExcluir
  2. Amei esse conto <3 Isabela Ladrazinha hahaha

    ResponderExcluir
  3. ai que fofo *--* adorei a historia, uma gracinha ^^ parabéns e continue assim!

    ResponderExcluir
  4. Amei! Os nomes das filhas foram perfeitos :D

    ResponderExcluir