Arthur olhava aflito. Apoiava
com cansaço os braços cruzados no parapeito da janela. Não podia se reconhecer,
estava desfigurado. Lembrava-se daquelas tardes amarelo-caramelo que cheiravam
a sujeira, chocolate e massa assada, e então a infância.
Eu tenho essa sensação todo dia, e então não há mais
nada...
Era ruim se sentir daquela
forma. Era ruim se entristecer e se
lamentar daquela situação, mas com consciência de que seus problemas eram
pequenos perto dos problemas que tinham os que o cercavam. Incomodava ser
egoísta, egoísta porque ele via gente tentando ser feliz com menos recursos.
Quaisquer recursos.
Passava um pequeno artrópode
desconhecido carregando um minúsculo pedaço de folha do lado mais iluminado da
janela. Ele era quase tão pequeno quanto a folha, mas muito colorido e bonito.
Andava depressa, como se a folha não pudesse esperar. Como se ela fosse
preciosa demais para ter que esperar. A cabeça do bichinho era quase tão
amarela quanto aquelas tardes de alguns anos, mas tinha mais vida e intensidade.
Acho que porque não era uma cor de memória.
Mas ele precisava de um
exílio, precisava mesmo. Desejou poder ir junto com o bicho e a folha, conhecer
um mundo novo, e sair daquela realidade superficial e definida.
Tinha saudade de crescer,
saudade de se preocupar com o que viria depois. O presente não preocupava, pelo
contrário, nem ao menos satisfazia. E ele nem podia pensar no futuro. O
presente já trazia coisas demais pra cima de si. Mas o melhor de todos era o
passado... o passado era o repouso da felicidade; onde era possível ver a
bondade da vida.
Então quis fazer do passado
seu exílio. Debaixo da terra úmida e quente, das construções tão bem limitadas
pelo trajeto dos insetos – com toda sua grandeza e perfeição, do lado daquela
simpática formiguinha – ele queria estar, lembrando-se do passado.
Olhava pra trás e tinha
orgulho do que ele era.
Agora era apenas um rascunho,
bem mal feito: cheio de erros e suposições, muito indefinido e inseguro. Queria
desaparecer e poder fazer tudo de novo.
Arthur ouvia músicas de uma
alegria triste, assim como sua vida era e como ele achava que sempre seria. Havia
uma mais especial que a maioria das outras... era uma canção sobre ser
jovem e ter saudades de casa e das pessoas, sobre “estar ficando sozinho em um casaco preto”. Era
a canção da costa oeste.
E essa vida parecia o propósito de cada ser humano: Ter uma
alegria, que podia ser frágil e falsa – a mais feia das aparências, ou
genuinamente triste, como a dele era – um pré-destino.
Então, quase que sem perceber, ele seguiu a formiguinha.
Primeiro pela extensão da janela, depois pelo pequeno e justo jardim de azaleias,
até chegar a um pedaço de chão coberto apenas por terra molhada. Nele havia um
quase imperceptível buraco, mas que a formiga já havia escolhido e que sabia
que aquele era o buraco da segurança e da paz.
Por mais que parecesse ridículo, Arthur se sentiu sozinho
quando o inseto se escondeu. Na verdade teve inveja. Ele não devia ter
responsabilidades, nem medo de fazer o que era arriscado, simplesmente vivia
por extinto natural.
Acocorou-se e baixou a cabeça. De repente, uma brisa forte
começou a correr. E ele teve de abrir um pouco os braços, para sentir a umidade
penetrar seu jovem, mas gasto corpo. Levantou-se e voltou para dentro de casa,
caminhando lentamente. Quando havia quase entrado, percebeu que começara a
chover. Então voltou para ver o que faria a formiguinha por causa da chuva.
Aquele parecia ser um momento de desespero para o formigueiro. Mas o
formigueiro pareceu seguro e impenetrável. Uma espécie de barro que ficava ao
redor do buraco principal havia descido e protegido aquela colônia da chuva.
Depois de algum tempo que a chuva cessara, várias formigas saíram, buscando
trabalho novo.
A vida mostrou-se
grande ali, foi impressionante.
A formiguinha morreu na manhã seguinte, mas com a mesma
felicidade que ele um dia já teve, a felicidade de ser criança. E ele continuou
triste, por um grande pedaço de vida.
Até o dia em que chegou um verão na costa leste que lhe
deu uma folha, uma música calma e uma chuva, e então veio junto a felicidade.
Texto perfeito!
ResponderExcluirGostei muito do texto! Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirfazdecontatxt.blogspot.com