domingo, 15 de setembro de 2013

Costa Oeste

                        Arthur olhava aflito. Apoiava com cansaço os braços cruzados no parapeito da janela. Não podia se reconhecer, estava desfigurado. Lembrava-se daquelas tardes amarelo-caramelo que cheiravam a sujeira, chocolate e massa assada, e então a infância.
                        Eu tenho essa sensação todo dia, e então não há mais nada...
                        Era ruim se sentir daquela forma.  Era ruim se entristecer e se lamentar daquela situação, mas com consciência de que seus problemas eram pequenos perto dos problemas que tinham os que o cercavam. Incomodava ser egoísta, egoísta porque ele via gente tentando ser feliz com menos recursos. Quaisquer recursos.
                        Passava um pequeno artrópode desconhecido carregando um minúsculo pedaço de folha do lado mais iluminado da janela. Ele era quase tão pequeno quanto a folha, mas muito colorido e bonito. Andava depressa, como se a folha não pudesse esperar. Como se ela fosse preciosa demais para ter que esperar. A cabeça do bichinho era quase tão amarela quanto aquelas tardes de alguns anos, mas tinha mais vida e intensidade. Acho que porque não era uma cor de memória.
                        Mas ele precisava de um exílio, precisava mesmo. Desejou poder ir junto com o bicho e a folha, conhecer um mundo novo, e sair daquela realidade superficial e definida.
                        Tinha saudade de crescer, saudade de se preocupar com o que viria depois. O presente não preocupava, pelo contrário, nem ao menos satisfazia. E ele nem podia pensar no futuro. O presente já trazia coisas demais pra cima de si. Mas o melhor de todos era o passado... o passado era o repouso da felicidade; onde era possível ver a bondade da vida.
                        Então quis fazer do passado seu exílio. Debaixo da terra úmida e quente, das construções tão bem limitadas pelo trajeto dos insetos – com toda sua grandeza e perfeição, do lado daquela simpática formiguinha – ele queria estar, lembrando-se do passado.
                        Olhava pra trás e tinha orgulho do que ele era.
                        Agora era apenas um rascunho, bem mal feito: cheio de erros e suposições, muito indefinido e inseguro. Queria desaparecer e poder fazer tudo de novo.
                        Arthur ouvia músicas de uma alegria triste, assim como sua vida era e como ele achava que sempre seria. Havia uma mais especial que a maioria das outras... era uma canção sobre ser jovem e ter saudades de casa e das pessoas, sobre “estar ficando sozinho em um casaco preto”. Era a canção da costa oeste.
                        E essa vida parecia o propósito de cada ser humano: Ter uma alegria, que podia ser frágil e falsa – a mais feia das aparências, ou genuinamente triste, como a dele era – um pré-destino.
                        Então, quase que sem perceber, ele seguiu a formiguinha. Primeiro pela extensão da janela, depois pelo pequeno e justo jardim de azaleias, até chegar a um pedaço de chão coberto apenas por terra molhada. Nele havia um quase imperceptível buraco, mas que a formiga já havia escolhido e que sabia que aquele era o buraco da segurança e da paz.
                        Por mais que parecesse ridículo, Arthur se sentiu sozinho quando o inseto se escondeu. Na verdade teve inveja. Ele não devia ter responsabilidades, nem medo de fazer o que era arriscado, simplesmente vivia por extinto natural.
                        Acocorou-se e baixou a cabeça. De repente, uma brisa forte começou a correr. E ele teve de abrir um pouco os braços, para sentir a umidade penetrar seu jovem, mas gasto corpo. Levantou-se e voltou para dentro de casa, caminhando lentamente. Quando havia quase entrado, percebeu que começara a chover. Então voltou para ver o que faria a formiguinha por causa da chuva. Aquele parecia ser um momento de desespero para o formigueiro. Mas o formigueiro pareceu seguro e impenetrável. Uma espécie de barro que ficava ao redor do buraco principal havia descido e protegido aquela colônia da chuva. Depois de algum tempo que a chuva cessara, várias formigas saíram, buscando trabalho novo.
                        A vida mostrou-se grande ali, foi impressionante.
                        A formiguinha morreu na manhã seguinte, mas com a mesma felicidade que ele um dia já teve, a felicidade de ser criança. E ele continuou triste, por um grande pedaço de vida.
                        Até o dia em que chegou um verão na costa leste que lhe deu uma folha, uma música calma e uma chuva, e então veio junto a felicidade.


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