terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ausência

Me faz falta cada um daqueles fins de tarde... tardes onde os sorrisos ficavam extraordinários, se transformando em verdade. Culpa do céu que, eu juro, pega fogo. Culpa de todos aqueles tons que cabem entre o amarelo e o vermelho, ou entre o vermelho e o amarelo, nem sei... Sei é que eles te queimam a íris, por segundo, e te fazem estreitar os olhos - foco automático. Ninguém aguenta tanta cor e tanta forma sem desequilíbrio. Mas não é só isso. Cada parte do teu corpo é esterilizada, sendo vítima do que é magnífico e sem explicação. Apenas existe. Assim como o coração bate, e a gente respira, assim como o ser humano é triste e muito capaz. O místico sol do Equador.

Saudade daquela fruta tropical, pronta para explodir sua polpa na boca de quem quiser. O mesmo fruto que desceu lá do alto daquela árvore de tronco muito grosso. Desceu, coitadinha, porque ventou demais, e achou que ali fosse o momento em que ela pudesse ser de alguém com muita fome e sede, e que seria satisfação. E foi. Mas, foi de um velho que já havia matado duas refeições, e tao cedo não comeria mais. Não comeria mais. Um olho fotografou e outro, maior que a barriga, fez daquela maravilha a sua. Cravou-lhe os dentes como a mulher faz quando é satisfeita, e o suco lhe escorreu pelos dedos, sem pressa, do jeito que o rio junino corre manso. Suculenta. Provocante. A moça que nasce no meio daquele quintal e serve de rotina para os moleques que, desde que são capazes, tentam escalar a sua fortaleza, é a mesma que quando quer, e acha bem certo, pula de lá e acha um par.

Falta da infância de subir em pé de fruta muito doce e cair e relar o joelho. Também de shampoo no olho e o mistério agoniante de achar a torneira. Das tantas vezes que confundi hidratante de pele com creme para cabelo.

Sinto por cada pipa que morreu em um fio, porque muita paixão foi gasta da sua confecção ao ultimo uso. Talvez não saiba, mas a arte de empinar pipa tem em si o mesmo mundo místico que é dos peões, e dos baloes, e de cada lata que é carro, cada pano que é boneca - o sim ou não.

Falta ainda da comida de vó e tia, que de tao boa que é, parece pecado; dos seus sorrisos de orgulho contido que são mais bonitos que qualquer um que já vi na televisão.

Saudade até daquela mosca doméstica, que nunca deixaria aquele bolo de cenoura repousando em paz. Nem um minuto. E ainda não iria só, chamaria a família para ajudar a incomodar. Tentariam cada quantia de sacarose contida naquela massa - vibrando de ânsia. E incomodando. Se chegasse até a superfície, missão cumprida e todo mundo puto. Mas não: a mãe sempre acha um menino para abanar ao redor do bolo - com um pano de prato, tampa de vasilha, mão mesmo... abano nunca tem. Ele desempenha a função com desenvoltura, como quem estudara para fazer bem feito, e com classe também - ninguém toca com a mão suja, ninguém pega mais do que deve, todos comem na hora certa. É com toda essa decência que vai realizando seu trabalho. Achando bom. É que quem não faz nada, não come.

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