quarta-feira, 27 de março de 2013

Cheira?

                           Faz uns meses. Era uma manhã de terça comum - dia quente e de terra nos pés. Meu pai e eu estávamos indo visitar um amigo em outra cidade. Antes de chegar ao destino, passamos por uma cidadezinha caótica: suja e mal acabada, com todo aquele ar de cidade acidental. Sem planejamento, apenas foi parida pelas pessoas e seus erros.
                           Mas aquela também era uma cidade de alma - havia  os cheiros, que se alimentavam de fumaça e o suor, e as pessoas, que se misturavam com o lixo e o luxo. E elas passavam o dia assim: por vezes rosas, por vezes gordura, outras torrão, o cheiro era o combustível das pessoas. Quando demais enjoavam, quando pouco queriam mais.
                           Mas esta é uma crônica de pessoas; escolhi uma senhora, que me arrependo de não saber seu nome. Ela nasceu, se criou e criou nessa cidade. Sentiu a paz e o desprezo que a vida  oferece para todo mundo. Mas parece que o desprezo tinha sido maior; já estava velha, nem tinha ainda seus setenta e já descansava como se esperasse, conformada, o abraço da morte. A vida tinha sido agitada demais, cheirosa demais(ou fedida?).
                            Meu pai avisou que íamos visitá-la. Há muito não a via. Logo chegamos à sua casa. Ficava numa rua sem asfalto, com casas de muros baixos e árvores na porta da maioria delas. Batemos e esperamos, sob sol escaldante. Um rapaz que varria o terraço abriu a porta e nos levou até seu quarto. Ela dormia um sono desconfortável, e foi fácil acordá-la. Levantou ofegando, meu pai nos apresentou.  Ela me abraçou e exclamou, empolgada:
                           - Que rapaz bonito! - Admirando não a mim, mas a juventude.
                           Conversamos metade da tarde, ela sempre servindo café. Contou histórias dum dinheiro que era dela, mas não lhe pertencia, e que já estava cansada de lutar por este, apesar da falta que fazia. Me aconselhou para não sofrer o que ela  havia sofrido: estude e seje um dotô, querido.
                           Era uma conversa bem fluída, meu pai saiu e nem percebi. Ela ainda falou dos filhos e das coisas boas do seu tempo. Eu quase não falava, e ela não percebia. Nem me importava - era um dia que ela queria atenção, e eu queria ouvir.
                           Meu pai foi visitar um outro amigo e logo voltou. Acompanhou uma parte da conversa, e quando a dona calou, se intrometeu:
                           - A senhora não acredita quem eu encontrei faz uns dez anos, quando fui ao Rio...
                           Ele disse quem, era uma pessoa que ele conhecia desde menino, e a encontrou bem longe no tempo e no espaço. Muita coincidência.
                           Ela não se mostrou surpresa, apenas suspirou um riso frouxo e concluiu:
                           - Meu filho, se as pedras se encontram, quem dirá os cristãos...
                          
                           

                           


2 comentários:

  1. muito bom.. admiro quem tem a capacidade de criar estórias, e as suas são bem leves, curtas e interessantes. eu mesma não tenho essa habilidade, mas estou sempre aqui para apreciar as suas!

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